terça-feira, 21 de setembro de 2021
Escutatória - Rubem Alves
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que: "não é o bastante não ser cego para ver as arvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma". Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí gente que não é cego abre os olhos. Dinate de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as arvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não ve porque as janelas dele estão fechadas.O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As arvores e as flores entram.
Mas coitadinhas delas entram e caem num mar de ideas. São misturas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as arvores e as flores Para se ver é preciso que a cabeça esteja vazia. Faz muito tempo, Eu ia de ônibus. Atrás duas mulheres conversavam. Uma delas contava paea a amiga os seus sofrimentos. ( Contou-me uma amiga nordestina, que o jogo que as mulheres do nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida.Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi la que a opera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanalise....). Voltando ao ônibus. falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia e a enfermeira nunca acertava, dos vomitos e das urinas. Era um relato comovente de dor.Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a alma da outra que, supostamente, ouvia.
Mas o que a sofredora ouviu foi foi o seguinte: "Mas isso não é nada..." A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e gignos de uma opera que os sofrimentos da primeira.
Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade : a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor sem misturar o que o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz nao fosse digno de descansada consideração e precisasse ser comtemplado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais as duas mulheres do ônibus.
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